EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 16ª VARA DA 1ª SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE MATO GROSSO DO SUL – CAMPO GRANDE.
Processo n.º
xxxxxx-xx.xxxx.xxx.xxxx
JOÃO
DA SILVA, já devidamente
qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem respeitosamente à presença
de Vossa Excelência, apresentar ALEGAÇÕES FINAIS, consoante às razões a seguir
delineadas:
SÍNTESE DOS FATOS
O autor era beneficiário do lote nº 16 situado no Projeto
de Assentamento Sol Nascente I, no
município de Campo Grande – MS, onde residia sozinho. No entanto, em razão de
problemas financeiros, o autor se viu obrigado a ausentar- se temporariamente do mencionado lote para trabalhar fora.
Ocorre que, na data de 01/04/2016, o autor recebeu
notificação do INCRA, no sentido de que não estaria presente no lote quando da
realização de vistoria, dando origem ao processo administrativo.
Conforme relatório apresentado pelos fiscais que
compareceram, apenas uma vez, no lote do autor, no âmbito de fiscalizar,
constante as fls. 84, acompanhado de fotos tiradas do lado de dentro do barraco
do assistido, constantes as fls. 16 a 24, no momento, o lote encontrava- se
abandonado, referiu-se que os móveis possuem péssimo estado, descreveu que não
havia sinais de circulação de pessoas, entre outras descrições, mencionou ainda
que:“segundo informações dadas como observadas não há moradores no lote...”
O autor protocolizou a justificativa da sua ausência, não
obstante, a Autarquia expediu notificação eliminando-o do programa nacional de
reforma agrária, sob o argumento de não estar residindo no referido lote,
tampouco explorando sua parcela, sendo o bem destinado ao Sr. Lúcio Pereira,
motivando assim a presente demanda.
Em contestação o INCRA sustentou que o Sr. João da Silva
nunca exerceu atividades agrárias nem fixou residência no imóvel. Alegou ainda
que, em vistoria, teria sido constatado que o lote estava abandonado.
Em audiência de Instrução foram ouvidas as testemunhas do
autor. Colhidos os depoimentos, verificou-se que o parceleiro possuía pequena
plantação de frutas e legumes no lote além de ser visto com frequência no
local. Faz-se oportuno esclarecer ainda, que as testemunhas atestaram que os
recursos para construção não estavam sendo viabilizados e que os recursos para
aplicação no imóvel não são disponibilizados aos assentados em dinheiro.
Frise- se que,
conforme depoimentos, todos os assentados necessitam trabalhar fora para suprir
as despesas.
MÉRITO
Primeiramente, contrariando a alegação do réu de que a senhor João da Silva não estivera no local explorando-o ou ali residindo, faz-se necessário
salientar que o compromisso de cultivar o imóvel, previsto na lei 8.629/93, em
seu artigo 21, vem sendo fielmente cumprido, vez que, o autor ausentava- se apenas temporariamente do lote
para angariar dinheiro para garantir a própria subsistência, já que as cestas
básicas fornecidas pelo Programa foram adquiridas, poucas vezes no ano
de 2007 e uma vez em 2008, como
demonstrado no processo administrativo
juntado aos autos pela Autarquia.
Ademais, conforme depoimentos das testemunhas, o autor era visto
rotineiramente em seu lote, não podendo dizer que passar um período curto fora
dele se caracterize abandono.
Desta forma, o requerente ocupou sua parcela de terra, nela fixando
residência, edificou um barraco para sua habitação, além de explorar o referido
solo, lavrando e produzindo alimentos.
Importante salientar que, conforme depoimentos, todos os assentados
habitavam em barracos e que os recursos além de não serem disponibilizados em
espécie, alguns benefícios foram disponibilizados pouco antes do autor ser
eliminado do Programa, não podendo puni- lo pela não aplicação do mesmo.
Ademais, tendo em vista que, o Sr. João da Silva residia sozinho no
local e necessitava se afastar temporariamente para angariar recurso
financeiro, torna- se relevante o descuido temporário de sua gleba de terra,
tornando- se frágil a alegação de abandono do lote.
Ao que se refere a precariedade de sua mobília, não se poderia
esperar que a mesma estivesse em perfeitas condições,
tendo em vista que, como já dito, o
mesmo residia sozinho num barraco, não possuindo boa condição financeira, e
deve- se levar em consideração que, o mesmo passou anos habitando em um barraco na beira de estradas até ser contemplado mediante sorteio pelo
Programa de Reforma Agrária.
Além disso, os depoimentos das testemunhas ouvidas foram suficientes em
demonstrar que o mesmo ali mantinha seu domicílio, bem como o cultivo de sua
parcela.
Conforme depoimento da testemunha Samanta, assim como ela, não seria
possível o autor viver apenas do
trabalho no lote, sendo necessário trabalhar fora. Afirmou ainda que, os
assentados não receberam do governo nenhum valor em espécie.
Frise- se que, Samanta, apenas disse não se recordar de visualizar
plantações na área, porém, afirmou que o Sr. João da Silva residia no imóvel.
Todavia, é importante lembrar que, parte do recurso para a compra de
plantas foi liberada no final de 2011, conforme documento juntado as fls. 82 e
84. Considerando que a testemunha reside no lote em frente e não adentrava no
lote do autor, provavelmente seria impossível visualizar plantações, já que as
mesmas encontravam- se muito pequenas.
Conforme relato da testemunha Luis, o autor construiu um “barraquinho”
como todos os outros assentados. Recorda que o autor realizou plantações e que
o via semanalmente no lote.
Conforme o relato da testemunha Simone, afirmou que os assentados não
recebem dinheiro e os trâmites para a compra dos materiais são realizados entre
o INCRA e as empresas, não sabendo precisar como funciona a tramitação,
afirmando apenas que recebem em seus imóveis os materiais que o INCRA “manda
entregar”.
Com efeito, é possível concluir que o dever de cumprir com a função
social da terra foi efetivamente observado pelo autor.
Com relação ao procedimento administrativo de revogação do título de
ocupação conferido ao autor, conforme os documentos acostados à inicial, este
se dera totalmente em desconformidade com a legislação aplicável, especialmente
as garantias individuais defendidas pela Constituição Federal de 1988.
Ressalta-se que o Decreto 59.428/66, que regula a
implantação de núcleos de colonização agrícola, estabelece para a revogação da
concessão, o intervalo de 03 (três meses) para quem deixar de cultivar a sua
parcela. Conforme se depreende nos depoimentos, o tempo levado pelo autor para
retornar ao lote, quando da saída para trabalhar fora, foi inferior ao prazo
estipulado.
Ainda, mesmo tendo o requerido, objetivando regularizar sua situação na
referida gleba, apresentado justificativa de sua ausência ao INCRA em tempo
hábil, este ente manteve a rescisão do contrato de concessão do lote sem
conferir ao autor o direito de defesa.
Neste contexto, convém repisar o que diz o artigo 5.º, inciso LIV da
Constituição Pátria, este conclama que “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Na
mesma linha, o inciso LV, do mesmo artigo, assegura que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifou-se).
Cabe salientar que a relação jurídica entabulada entre o INCRA e a
Autora é de natureza jurídica administrativa. Destarte, é aplicável a Lei
9.784/1999, esta que traz as normas gerais de processo administrativo.
Conforme se extrai da redação do artigo 2º, X, do aludido diploma legal
“garantia dos direitos à comunicação, à
apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de
recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de
litígio;” deve ser garantido o mais amplo direito de ciência e defesa nos
processos administrativos que possam resultar em sanções e nas situações de
litígio.
É indubitável que a perda de uma parcela rural é uma sanção, um
verdadeiro ato punitivo. Para a efetivação desse ato é imprescindível a
observância do contraditório. Ocorre que o INCRA menoscabou os princípios
administrativos.
Ademais, a presunção de legitimidade dos atos administrativos, alegada
na peça contestatória da autarquia, é relativa e não pode prosperar diante de
tão flagrante desrespeito aos princípios do Estado Democrático de Direito.
Hodiernamente, os atos administrativos não sofrem apenas o denominado
controle de legalidade, sofrem, outrossim, o denominado controle de juridicidade, que diz que os atos administrativos devem respeitar não
somente as leis, mas também os princípios (mandado de otimização) que tem maior
densidade normativa, maior carga axiológica, estando mais próximo do valor.
Vale ressaltar que, embora o ato administrativo tenha presunção relativa
de legitimidade, a observância do devido processo legal, além de garantia
constitucional, é requisito legitimador do ato administrativo.
No caso concreto em exame, essas garantias fundamentais não foram
devidamente respeitadas pelo INCRA, pois, conforme se pode observar diante das
provas anexas aos autos, não foi dada a parte autora, em nenhum momento, a
oportunidade de se defender e a justificativa por ela apresentada foi ignorada.
Encontram-se ainda, além dos acima citados, outros elementos de prova
que autorizam a conclusão de que não houve infração, por parte do autor, ao
art. 77 do Decreto 59428/66, que
dispõe: “Será
motivo de rescisão contratual: a) deixar de cultivar direta e pessoalmente sua
parcela por espaço de três meses, salvo motivo de força maior, a juízo da Administração do núcleo; b)
deixar de residir no local do trabalho
ou em área pertencente ao núcleo, salvo justa causa
reconhecida pela Administração...”.
(grifou-se)
Nesse contexto, é certo que a ausência da Sr. João da Silva, da parcela
de terra que recebeu no Projeto Sol Nascente I, não foi motivada por vontade
própria, mas, sim, por razão de força maior advinda de problemas financeiros,
já que os recursos fornecidos pelo programa da Reforma Agrária são
insuficientes para sobrevivência. Tem-se, portanto, que o afastamento do autor
do lote em que fora assentado ocorreu por motivo alheio a sua vontade.
Observa-se que os fatos que levaram o demandante a ausentar-se do lote
16 encontram abrigo nas ressalvas do Decreto em questão, todavia, tendo sua
notificação ocorrido quando o contrato já se encontrava rescindido, sua
justificação de ausência não foi, sequer, analisada pela Autarquia.
Não é razoável, portanto, pretender afirmar que João da Silva
simplesmente descumpriu a obrigação de residir no imóvel e explorá-lo direta e
pessoalmente. Ao revés, o que se verificou foi a irresistível necessidade de se
afastar momentaneamente da terra por motivo de força maior.
A nosso pensar não pode um cidadão ter o seus
direitos de moradia e de sustento tolhidos em razão de algo que não deu causa.
Logo, havendo ocupação da parte autora, que, realizou benfeitorias no terreno,
lá se instalando e plantando para a sua subsistência, deve o INCRA anular o ato
administrativo que ensejou a rescisão do contrato de concessão.
PEDIDO
Isso posto, requer-se a procedência dos
pedidos, nos termos da inicial.
Campo Grande, 01 de
janeiro 2017.
Advogada
OAB/MS