Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da 14.ª Vara
da 1.ª Subseção Judiciária em Mato Grosso do Sul – Campo Grande.
Autos n.° XXXXXX-XX.XXXX.XXX.XXXX
LUCAS
SOUZA, já qualificado nos autos, vem à presença de Vossa Excelência
apresentar CONTESTAÇÃO,
consoante as razões a seguir delineadas:
1) DO BREVE RELATO:
Em síntese, a Caixa Econômica Federal consigna que firmou
contrato, por meio de instrumento particular de arrendamento residencial com
opção de compra, com o requerido, Lucas Souza, transferindo-lhe a posse direta do imóvel mediante o
pagamento de uma taxa mensal de arrendamento, prêmios de seguros e taxas de
condomínio.
Bem assim, afirma a parte autora que a requerida não teria
cumprido com as cláusulas do contrato, uma vez que supostamente não estaria
mais morando no imóvel objeto do contrato.
Requereu que fosse devolvido liminarmente o imóvel, sob pena
de esbulho possessório.
Antes de fazer uma cognição sumária a respeito do deferimento
ou não da medida liminar de reintegração de posse, o douto juízo ordenou a
justificação prévia com audiência para o dia 14/06/2016. Na referida audiência
não houve a realização de um acordo.
É o breve relato.
2) DA JUSTIÇA GRATUITA
A parte ré não possui condições de arcar com as custas
processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento ou de
sua família, devendo ser concedido o benefício da gratuidade da Justiça, nos
termos da Lei n. 1.060/1950.
4) DA NÃO OCORRÊNCIA DE
ABANDONO DO IMÓVEL
Conforme documento em anexo (carta ao requerido comunicando a
rescisão contratual) emitido pela Imobiliária X, Administradora do imóvel
objeto do contrato, o motivo ensejador da rescisão contratual foi a não
residência do arrendatário no imóvel. A Administradora quando fez a vistoria no
imóvel encontrou lá o senhor José Almeida (não arrendatário).
Compulsando o contrato firmado, o suposto abandono do imóvel
por parte do arrendatário gera o descumprimento da cláusula terceira, in verbis:
“Cláusula
terceira – Do recebimento e da destinação do imóvel arrendado – O imóvel objeto
desse contrato, ora recebido pelos Arrendatários, conforme Termo de Recebimento
e Aceitação que passa a fazer parte integrante deste instrumento, será utilizado exclusivamente pelos
Arrendatários para sua residência e de sua família, com a consequente
assunção de todos os encargos e tributos incidentes sobre o imóvel (...)”
Para entender e interpretar esta cláusula é necessário
esmiuçar qual é o sentido jurídico da palavra residência.
O Código Civil traz apenas o conceito jurídico de domicílio
em seu artigo 70, in verbis:
“Art.
70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece sua residência com ânimo
definitivo.”
Portanto, o domicílio voluntário, no direito brasileiro,
pressupõe dois elementos: a residência que é o elemento objetivo e o animus manendi, elemento subjetivo.
O animus manendi,
elemento subjetivo, significa a intenção de permanecer. Essa definição está no
artigo 70 quando reza que o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela
estabelece a sua residência com ânimo
definitivo.
Diante dessa definição, toda a doutrina, isso é clássico em
todos os manuais, traz aquela diferença entre moradia, residência e domicílio.
A moradia é onde a pessoa se encontra em caráter precário, ou
seja, eventualmente, esporadicamente. Exemplo típico de morada é a locação para
temporada.
Já a residência pressupõe
estabilidade, permanência. Domicílio é a residência mais a intenção de permanecer. Em
termos práticos, residência e domicílio quase sempre caminham lado a lado.
Destarte, ainda que o arrendatário não tenha sido encontrado
no imóvel arrendado, para que se prove que lá ele não estava residindo é
necessário provar que o mesmo não tinha nenhuma relação de permanência,
estabilidade com o referido bem.
O arrendatário (réu no presente processo) sempre residiu no
imóvel arrendado e sempre honrou com seus compromissos. Os momentos em que não
esteve no imóvel foi por motivo de trabalho (conforme documentos em anexo).
O Sr. Lucas Souza (réu no presente processo) é funcionário da
empresa Buffet e Eventos com sede em Campo Grande. Trabalha como garçon e
precisa viajar periodicamente para realização de seu ofício. Atualmente, por necessidade do serviço, está prestando
serviço em outra filial da empresa no Rio de Janeiro (documento anexo). Quando
está nesta cidade tem todas suas despesas de estadia pagas pelo empregador.
Acostado à peça defensiva estão notas fiscais do hotel 5 Estrelas, localizado
na cidade da filial da empresa em que o réu temporariamente presta serviços,
onde o requerido fica hospedado.
A prestação de serviços em cidade diversa por períodos curtos
não descaracteriza a residência do arrendatário no imóvel. O arrendatário não
possui qualquer outro imóvel e quando está fora do imóvel arrendado fica em
hotéis, o que demonstra claramente que está em outras cidades de forma
passageira, temporária, sem intenção de lá fixar residência.
Mais uma prova de que o autor reside no imóvel arrendado é o
fato de que o mesmo declara como sua sede jurídica em todas suas relações
jurídicas entabuladas o endereço do imóvel arrendado. Em anexo está a fatura do
cartão de crédito do autor que consta como seu endereço o local do imóvel
arrendado.
Caso o autor realmente não residisse lá, não faria sentido
receber todas suas correspondências nesse endereço.
O fato de a CEF ter encontrado o Sr. José Almeida no imóvel
arrendado não descaracteriza a residência do arrendatário. O Sr. José é amigo
do réu e cuida do seu imóvel quando este último está viajando a trabalho (em
anexo declaração do Sr. José nesse sentido).
Este fato só vem a corroborar a dedicação e os esforços
envidados pelo réu para cuidar de seu único imóvel durante o tempo em que está
fora.
De acordo com a teoria estática da distribuição do ônus da
prova, cabe ao autor a prova de fato constitutivo de seu direito. Caberia à CEF
provar que o arrendatário teve a intenção de abandonar o imóvel, de lá não mais
residir. Ocorre que a autora não se desincumbiu de seu ônus (imperativo
vinculado à satisfação de um direito próprio).
5)
DA FALTA DE REQUISITOS PARA O DEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE EM FAVOR DA CEF
As decisões de mérito proferidas antes do fim da
fase instrutória são feitas sob uma cognição sumária, perfunctória. Para
prolatar uma decisão concedendo a liminar, o juiz, diante das provas já
acostadas aos autos, tem que se convencer de que a demanda provavelmente terá
um julgamento final procedente. Por isso o requisito do fumus boni iuris é necessário para a concessão de uma liminar.
Sucede que no caso em tela não há provas
suficientes junto à peça vestibular que possam ser capazes de num juízo prima facie convencer o juízo de que
houve realmente o abandono do imóvel por parte do arrendatário. No mínimo surge
a dúvida que precisa ser dirimida ao longo da fase instrutória para se
perquirir se realmente houve ou não o abandono do imóvel.
O outro requisito necessário para o deferimento
de uma liminar é o perigo que a demora da prestação jurisdicional pode causar
ao autor da demanda, periculum in mora.
A CEF é proprietária de diversos imóveis e não tem nenhuma necessidade urgente
para requerer a posse direta imediata desde já do imóvel em testilha.
Fica claro que o deferimento de uma liminar em favor
da CEF gera muitos mais prejuízos ao réu, que perderá sua única residência e
não terá mais nenhum lugar fixo para permanecer, do que o indeferimento trará
para CEF, que é uma pessoa jurídica, que não fará uso pessoal e direto do
imóvel arrendado e pode esperar um juízo sob cognição exauriente ao final do
processo.
Caso já haja sido deferida a liminar de
reintegração de posse, requer-se sua revogação, pois as provas acostadas na
presente peça defensiva são suficientes para convencer o juízo, ou ao menos
pairar uma dúvida, de que o arrendatário nunca teve a intenção de abandonar o
imóvel e de lá não permanecer.
6)
CONCLUSÃO
Diante do exposto, requer- se:
1)
o deferimento da gratuidade de justiça;
2)
no mérito, seja julgada totalmente improcedente a
presente demanda com a condenação da autora nos ônus da sucumbência;
3)
que a CEF seja intimada para continuar a fornecer os
boletos do PAR enquanto perdurar a presente, em homenagem ao princípio da
conservação dos contratos.
4)
Caso não deferido o pedido de número 3, seja
possibilitado por este juízo a efetivação de depósitos judiciais no valor dos
boletos do PAR.
Protesta provar por todos os meios admitidos em direito.
Campo Grande/MS, 08 de
setembro de 2016.
Advogada